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Arte e espaços litúrgicos – uma visita a capelas de Braga organizada pelo TEAR

Arte e espaços litúrgicos – uma visita a capelas de Braga organizada pelo TEAR

capela Árvore da Vida _ © nelson garrido

 

No passado dia 13 de outubro de 2019, realizou-se uma visita às Capelas Árvore da Vida, Imaculada e Cheia de Graça em Braga, no âmbito das atividades do grupo TEAR do Instituto Universitário Justiça e Paz de Coimbra. Mais de meia centena de pessoas participaram nesta iniciativa cujo título tomou de empréstimo uma expressão de José Tolentino Mendonça: “Tatear um Segredo, um Mistério da Vida”. Esta visita foi guiada pelo padre Joaquim Félix de Carvalho, professor de Liturgia e membro da Equipa de Trabalho dos referidos projetos arquitetónicos. Os comentários e informações que ele partilhou com as pessoas visitantes em cada um dos três espaços litúrgicos deram conta das linhas mestras (técnicas, estéticas e religiosas) subjacentes à sua conceção, construção e usos.
Ainda da parte da manhã, o programa de atividades começou com uma visita à Capela Árvore da Vida no Seminário Conciliar São Pedro e São Paulo de Braga. Este novo espaço litúrgico data de 2011. Centra-se numa estrutura de madeira com duas entradas unidas por um eixo oblíquo e, em cujo interior, se encontram o altar e o ambão. No lado de fora, existe um espaço dedicado à Criação do Mundo num ambiente dominado pela cor cinzenta (aquela que foi associada ao surgimento dos céus e da terra) e por um jogo de luz e sombra que se prolonga e atinge as suas potencialidades máximas dentro da capela. As suas traves de madeira estão unidas apenas com encaixes, sem ter sido preciso utilizar parafusos nem pregos. Encontram-se dispostas numa configuração com frinchas que permitem um diálogo (ou mesmo esbatimento) entre exterior e interior. Na parte superior, os elementos de madeira não formam um teto fechado, pois uma vasta zona aberta no seu centro deixa entrar uma luminosidade de efeitos mutáveis e que remete para a ideia de formação de uma clareira. A conceção deste espaço litúrgico foi guiada pela ideia de história ou caminho da Salvação e tem um dos seus marcos mais notáveis no tríptico Árvore da Vida da autoria de Ilda David’, junto à entrada mais pequena e mais próxima do altar.
O Seminário de Nossa Senhora da Conceição constituiu o segundo local de atividades. Aí teve lugar o almoço de convívio e posteriormente a visita às Capelas Imaculada e Cheia de Graça que resultam da reconfiguração de um espaço de culto que já existia no interior deste seminário. Estas duas capelas tecem uma cumplicidade muito particular entre si. Têm entradas distintas, mas de cada uma delas se pode contemplar a outra. As Capelas Imaculada e Cheia de Graça datam de 2015 e 2016 respetivamente. A Capela Cheia de Graça encontra-se mais ao alto dentro do espaço da Capela Imaculada, elevando-se no espaço atingindo os 14 metros de altura, assente num conjunto de pilares de madeira e de um pilar de pedra. Ambos os pilares partem da Capela Imaculada, onde têm a sua estética e funcionalidades próprias, acabando por atravessar e estruturar a Capela Cheia de Graça. Com efeito, no interior desta última, vindos de baixo, os feixes de madeira configuram uma espécie de bosque ou floresta e o pilar de pedra transforma-se em altar.
Na Capela Imaculada, os assentos encontram-se dispostos numa configuração em U que demarca um presbitério e um espaço para a assembleia de crentes em grande proximidade entre si. Ao fundo, na parte mais a norte, uma faixa de mármore disposta na vertical sem tocar no chão e com uma abertura para o exterior na parte detrás transfigura-se numa presença singularíssima de luz. Esta instalação, se assim podemos dizer, talvez seja um dos exemplos mais fortes do que pode ser a materialização artística de um segredo que podemos tatear, um mistério da vida que une espiritualidade, arte e reflexão. Outra das marcas desta capela é a sua abóbada em cimento atravessada por arcos que deixam passar a luz vinda de cima. Num dos assentos encontra-se a escultura de Nossa Senhora da Humildade, ao lado da qual as pessoas se podem sentar. Como explicou o Padre Joaquim Félix de Carvalho, a ideia foi conceber artisticamente a Mãe de Jesus no período de maturidade da sua vida e afastá-la, assim, de representações infantilizadas, ao mesmo tempo, que se distinguia como uma presença primeira no conjunto da assembleia de crentes – quando todas as outras pessoas chegam à capela, ela já se encontra sempre lá.
O conjunto de atividades programadas pelo TEAR em Braga terminou com uma missa na Capela Imaculada co-celebrada pelo Padre Joaquim Félix de Carvalho e o Padre Paulo Simões, diretor do Instituto Universitário Justiça e Paz de Coimbra.
A visita às três capelas de Braga reuniu as condições para uma experiência (ao mesmo tempo individual e coletiva) que serviu cabalmente os propósitos do TEAR enquanto grupo vocacionado para fomentar o diálogo entre os domínios da arte, da reflexão e da espiritualidade. Em primeiro lugar, refira-se que as Capelas Árvore da Vida, Imaculada e Cheia de Graça resultaram de equipas e processos de trabalho marcados por uma grande diversidade. Cruzaram-se e entreteceram-se artes e ofícios – os projetos têm a assinatura dos arquitetos Cerejeira Fontes, a que se juntou o labor de artistas, de artesãos, de estudiosos e especialistas em questões religiosas, com destaque para o padre Joaquim Félix de Carvalho, bem como os contributos para a reflexão dados por profissionais das ciências sociais e humanas. Além disso, as três capelas são um exemplo de como a arte contemporânea se pode aliar à tradição e, ao mesmo tempo, a um movimento de renovação em termos de espacialidade litúrgica. Tendo em conta aquilo que o padre Joaquim Félix de Carvalho comentou durante a visita e aquilo que escreveu no seu livro Capelas de Braga (ver referência completa mais abaixo), os três espaços visitados foram concebidos dentro de uma lógica de envolvimento, participação e proximidade entre assembleia de crentes, sacerdotes e objetos/símbolos. Deste modo, optou-se por “espaços litúrgicos a dois polos” – ou seja, ambão (lugar da Palavra de Deus) numa extremidade (a sul, por exemplo) e o altar (lugar do Corpo de Deus) noutra (a norte, por exemplo) – e pelo “presbitério em ilha central” – ou seja, a assembleia de crentes envolvendo e centrada no espaço dos celebrantes do culto religioso. Não será despropositado lembrar aqui que a palavra “liturgia” do latim em contexto religioso é oriunda da expressão grega leiturgia significando “serviço público”. Este último supõe uma ação centrada nos seus destinatários e numa ideia de coletividade. Aplicando esta significação ao culto religioso, talvez nos deparemos com a conceção apresentada no mencionado texto do padre Joaquim Félix de Carvalho, quando ele nos fala do espaço litúrgico “não já como espaço do antigo ’sagrado’, mas, na sua ‘dedicação’, para servir nas melhores condições a relação de ‘encontro’, quer com Deus, quer dos seus filhos consigo próprios na Sua presença”.
No texto do padre Joaquim Félix de Carvalho, fala-se também da existência de uma rubrica na internet surgida em Itália e intitulada “Uma igreja por mês”, (disponível online em: www.edculto.it), onde se procede a uma descrição e comentário de igrejas de construção recente. A iniciativa do TEAR de organizar uma visita guiada às três capelas de Braga pode ser encarada como uma espécie de versão grupal, não virtual e in loco dos propósitos dessa secção do site do Servizio nazionale per l’edilizia di culto da Conferência Episcopal Italiana. Com efeito, ao referir-se a essa rubrica, D. Giuseppe Russo, em palavras citadas no mencionado livro, refere que o seu público alvo é muito alargado, incluindo muitos indivíduos, “Sejam eles especialistas experientes ou projetistas de igrejas; bispos, sacerdotes ou leigos cristãos; crentes ou não-crentes. Todos aqueles que, de uma forma ou de outra, já entram em relação com a arquitetura sagrada e sentem a necessidade de se aprofundar o olhar de uma forma mais perspicaz e bem fundamentada”.
As capelas Árvore da Vida, Imaculada e Cheia de Graça têm atraído uma curiosidade crescente, tendo obtido o prémio do site ArchDaily na categoria de arquitetura religiosa (a primeira na edição de 2011 e as outras duas capelas na edição de 2019). Uma das principais características destes três espaços reside no “refinamento do despojamento”, expressão usada por François Nicolas para descrever a sua estética. E, quanto mais despojados, talvez mais refinados sejam os segredos e mistérios que abrigam, guardam e nos fazem aguardar.


PARA SABER MAIS
CARVALHO, Joaquim Félix de (2018), Capelas de Braga. Novas poéticas da espacialidade ritual. Lisboa, Universidade Católica Editora.


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TESTEMUNHOS

«Um convite especial...
Naquela tarde de Domingo, enquanto cumpríamos o nosso 'dever cívico' depois de um cafezinho, eis que somos surpreendidos pelo telefonema do amigo... Padre Paulo Simões! Que surpresa...
É verdade: uma ótima surpresa, para um convite especial!
Especial... Especial pela simplicidade na comunicação; especial pelo tema do convite.
E lá fomos nós, sim, porque o convite era para a família.
Especial... Pela simplicidade do tema “Tatear um segredo, um mistério da vida”.
E que segredo!
O segredo da simplicidade da vida, mas que muitas vezes tentamos complicar.
Tudo estava simples: os participantes, o acolhimento no Seminário Maior de Braga, toda a apresentação feita pelo Sr. Padre Joaquim Félix.
A simplicidade com que tudo nos era explicado.
O acolhimento para o almoço, a continuação da visita guiada e por fim a celebração da Eucaristia.

A reter:
- A vida é feita de coisas simples, tão simples, que não lhes damos o devido valor;
- Descobrimos um segredo da vida? Sim, descobrimos! Todos os dias os vamos descobrindo.
- Valeu a pena? Sim, sem dúvidas!!!

Um obrigado ao Pe. Paulo Simões pelo convite, um obrigado ao grupo Tatear, por toda a organização.
Um bem-haja.

Idália Junqueira
Paulo Jesus»



«O dia começou cedo. No entanto e apesar da chuva que teimava em cair as expectativas eram grandes.
Em Braga, fomos recebidos pelo Padre Joaquim Félix que de forma inspiradora nos conduziu pela Capela Árvore da Vida, símbolo da arquitectura religiosa contemporânea. Ficámos sem palavras perante a beleza desta capela que de imediato apela a uma introspecção e silêncio apenas interrompido pelo caminhar delicado de todos nós. Inspirámo-nos na luz forte e intimista, nas sombras de movimentos, no som do cálice a pousar no altar, nos gestos delicados que apelam à nossa atenção, e definitivamente na robustez de uma Presença. A vontade de permanecer é forte mas rapidamente tivemos que ir almoçar, um almoço feito de um convívio genuíno e de sabores apurados.
De tarde, e ainda com a presença do Padre Joaquim Félix, visitámos as Capelas da Imaculada e Cheia de Graça. Ouvimos as explicações da sua construção, da uma abóbada em betão com rasgos de luz, da imagem de Nossa Senhora da Humildade que surpreende por estar sentada a meio da Capela [da Imaculada], da Via Crucis e Via Lucis. Foi-nos também explicado o porquê da existência de uma orelha na base de um enorme pilar de pedra que se ergue e sustenta o altar da pequena Capela [Cheia de Graça] em forma de floresta e que chama atenção para o escutar. “Os nossos ouvidos são cegos e não têm a serenidade de ouvir os espaços”, foi umas das frases citadas.
Um dia pleno que conjugou arte e espiritualidade e que terminou com uma missa celebrada na Capela da Imaculada.
Agradecemos de coração cheio ao Padre Joaquim Félix, ao Padre Paulo e ao projecto “TEAR” por este dia que sem dúvida nos elevou a alma.

Margarida e Pedro»

 

4 Novembro 2019

 

 

 

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